sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Aristóteles e a ciência do bem comum

Na mesma esteira de Platão, Aristóteles pensa a administração social como ciência política, um conhecimento metodicamente ordenado e extraído da organização efetiva do ser social, que funcione como reflexão sobre os meios e que conduza enfim à realização autoconsciente do bem comum. De fato, Aristóteles classifica a política como uma das ciências práticas, ao lado da ética, e na Ética a Nicômaco trata das duas como disciplinas organicamente articuladas, ligadas a um mesmo campo de interesses, vale dizer, como ciências que buscam estabelecer princípios normativos que pudessem regular a vida social dos homens, sua existência comum no interior de uma sociedade justa. A política e a ética foram tratadas por Aristóteles como ciências do social, não como instrumentos de poder, mas como meios eficazes para a administração da justiça e a busca da felicidade, individual e coletiva. Um trecho da Ética a Nicômaco esclarece:

Se há, então, para as ações que praticamos, alguma finalidade que desejamos por si mesma, sendo tudo mais desejado por causa dela, e se não escolhemos tudo por causa de algo mais (se fosse assim, o processo prosseguiria até o infinito, de tal forma que nosso desejo seria vazio e vão), evidentemente tal finalidade deve ser o bem e o melhor dos bens. Não terá então uma grande influência sobre a vida o conhecimento deste bem? Não deveremos, como arqueiros que visam a um alvo, ter maiores probabilidades de atingir assim o que nos é mais conveniente? Sendo assim, cumpre-nos tentar determinar, mesmo sumariamente, o que é este bem, e de que ciências ou atividades ele é objeto. Aparentemente ele é objeto da ciência mais imperativa e predominante sobre tudo. Parece que ela é a ciência política, pois esta determina quais são as demais ciências que devem ser estudadas em uma cidade(...). Uma vez que a ciência política usa as ciências restantes e, mais ainda, legisla sobre o que devemos fazer e sobre aquilo de que devemos abster-nos, a finalidade desta ciência inclui necessariamente a finalidade das outras, e então esta finalidade deve ser o bem do homem.

Articulação entre o bem individual e o bem político, vale dizer, coletivo:"Ainda que a finalidade seja a mesma para um homem isoladamente e para uma cidade, a finalidade da cidade parece de qualquer modo algo maior e mais completo, seja para a atingirmos, seja para a perseguirmos."

E aqui uma lição modelar e, ao mesmo tempo, a definição da ciência política em função de seu objetivo superior:

Embora seja desejável atingir a finalidade apenas para um único homem, é mais nobre e mais divino atingi-la para uma nação ou para as cidades. Sendo este o objetivo de nossa investigação (i.e., a ética), tal investigação é de certo modo o estudo da ciência política (uma vez que dele depende também a consecução do bem coletivo).[1]

A plena realização do homem, sua maior felicidade, portanto, só pode se dar no contexto da polis, uma vez que ele se caracteriza essencialmente como ser social. Os dois tipos de felicidade perseguidas pelo homem são, de fato, um só sob diferentes denominações.




[1] Aristóteles, Ética a Nicômaco, parágrafo 2

Um comentário:

  1. Na mesma esteira de Platão, Aristóteles pensa a administração social como ciência política, um conhecimento metodicamente ordenado e extraído da organização efetiva do ser social, que funcione como reflexão sobre os meios e que conduza enfim à realização autoconsciente do bem comum. De fato, Aristóteles classifica a política como uma das ciências práticas, ao lado da ética, e na Ética a Nicômaco trata das duas como disciplinas organicamente articuladas, ligadas a um mesmo campo de interesses, vale dizer, como ciências que buscam estabelecer princípios normativos que pudessem regular a vida social dos homens, sua existência comum no interior de uma sociedade justa.

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