terça-feira, 26 de agosto de 2014

Platão e o modelo ideal para a cidade



Platão foi acusado muitas vezes de ser o idealizador de um sistema aristocrático e autoritário de administração da cidade. Entendendo a cidade justa como um organismo vivo, Platão esforçou-se para descrever a sua gênese e não a sua história, tomando como referência um modelo dela elaborado como uma construção geométrica.
Tentou-se ver aqui uma utopia, em particular na imagem que nos é dada da classe dos guardiões, em que não se leva em conta a diferença dos sexos, as crianças pertencem ao Estado, os casamentos são de curta duração e organizados para o eugenismo, os guardiões não tocam nas riquezas da cidade etc. Esse modelo de tipo autoritário, observa Abel Jeannière, a partir do qual se falou do ‘comunismo’ de Platão, foi muitas vezes descrito e criticado. No entanto, mais do que uma utopia ou sonho de uma cidade perfeita, trata-se, na concepção platônica, de um modelo lógico - construído da mesma forma que as teorias matemáticas - que Platão sabe perfeitamente inaplicável, mas que pode servir de referência na crítica e no estabelecimento de regimes reais de administração da cidade.
Observemos aqui que Platão não trata da administração particularizada de um certo domínio da sociedade exemplificado numa organização privada, numa empresa, mas da sociedade entendida em sua natureza específica como o conjunto de todas as relações que envolvem a vida do homem dentro da comunidade a qual ele pertence. Para a análise desta realidade serve-se de um modelo lógico implacável que, embora aplicado ao todo, serve também como parâmetro à construção de modelos de análise e pontos de referência construtivos relativos a setores particulares da sociedade.
Mediante o modelo, o “paradigma no céu”, Platão nos faz ver que todo problema político, e logo filosófico, radica-se na incapacidade demonstrada pelos homens de organizar uma cidade viva tão perfeita quanto o cosmo construído pelo demiurgo.

A referência a um modelo lógico apresenta muitas vantagens e certamente deveria inspirar os pensadores políticos daí em diante. A mais importante, segundo Abel Jeannière, é, certamente, que tal modelo permite orientar melhor a educação para a justiça, na alma e na cidade. Mas não apenas isso: torna possível acima de tudo a elaboração de um paradigma que serve de referência à construção de uma forma real de organização que pode ser medida em sua adequação ao modelo teórico matematicamente elaborado. A exatidão do modelo matemático serve de referência à elaboração efetiva da ordem, realçando ao mesmo tempo suas deficiências e auxiliando o guardião na elaboração de diagnósticos visando a saná-la. E aqui tocamos na segunda vantagem do procedimento platônico: a referência ao modelo ideal permite julgar concretamente as organizações e regimes já existentes.
O julgamento, no entanto, dentro da perspectiva do pensamento clássico, contextualizado sempre em referência a polis, deve conduzir à clareza necessária à defesa e construção prática de um organismo real que possa servir de meio à consecução da vida feliz, ou da justiça, que exige felicidade para todos.

A  solução platônica instaura, portanto, um tipo de concepção orgânica do social em conformidade com a qual cada indivíduo tem a sua parcela de doação e realização dialeticamente referida ao todo, em função sempre da saúde do todo. 

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