Aristóteles,
embora não nos tenha deixado nenhuma obra diretamente relacionada à educação,
legou-nos instrumentos conceituais preciosos para entendermos a dinâmica da
realização e, por conseguinte o processo educativo. Ao trazer as formas
platônicas do lugar celeste onde se encontravam para dentro do mundo sensível,
o filósofo macedônio tornou possível a
explicação não só da estrutura das coisas particulares como também o processo formativo
dessas mesmas coisas. Saber o que uma coisa é significou, a partir de então,
expor o projeto específico que cada uma deve realizar. Em outras palavras, Aristóteles fez-nos
compreender a realização em função de um processo teleonômico no qual cada
coisa leva ao pleno cumprimento o seu fim próprio, sua forma definitória. Dessa
maneira, foi possível, utilizando os instrumentos conceituais aristotélicos,
distinguir a educação do adestramento, compreendendo que aquela não pode ser
confundida jamais com um processo de aprendizagem no qual não se verifique um
amadurecimento progressivo de possibilidades intrínsecas ao indivíduo.
Assim,
acreditamos que o ser humano não pode
ser tratado como o cão de Pavlov, e isso porque há algo que os distingue e faz
com que cada um deles seja digno de um tratamento em conformidade com aquilo
que eles mesmos são. Há, evidentemente, uma grande diferença entre a adaptação
do animal a estímulos associados, como o urso de circo que ao ouvir a música
agita-se porque esta lhe faz presente a sensação do eletrochoque, e o indivíduo
que cresce em compreensão por meio da vontade consciente e da razão. Neste
sentido, seria preciso, antes de tudo, que os educadores se ocupassem em
distinguir entre educação e adestramento, determinando o significado preciso dos
termos e o papel que assumem na prática pedagógica. E aqui não devíamos nos
preocupar em definir conceitos, nem tampouco estipular regras, mas propor uma
avaliação dos mesmos em função da prática efetiva, tendo em vista os resultados
relativamente à ação caso adotássemos um ou outro conceito como diretriz para a
educação; definir os campos de aplicação dos modelos teóricos em concordância
com a realidade daqueles aos quais esses modelos se aplicam.
Em
que sentido podemos afirmar que o adestramento não é adequado como método de
formação para o homem assim como a educação não pode trazer nenhum beneficio ao
animal, e, acima de tudo, estipular um critério preciso segundo o qual possamos
avaliar a prática inconsistente de nossos educadores, que os leva confundir
educação com adestramento, preconceito corrente do mesmo tipo daquele que
confunde erudição com cultura. Há um o perigo evidente em se aplicar métodos adequados
ao adestramento animal à prática educativa. O erro todo consistiria em adestrar
pensando em educar, e este erro deriva de uma má compreensão, ou de uma total
incompreensão, da natureza daquele que se pretende educar.
Pensamos
no adestramento como uma prática que visa à adequação do comportamento do
indivíduo a determinações exteriores a ele, a partir de procedimentos
metodológicos extrínsecos à sua natureza. Ao contrário, a educação só faz
sentido para nós se ela fornecer ao indivíduo os meios pelos quais ele possa
chegar a mais ampla realização de sua natureza; se ela for como o terreno
fértil que possibilita à flor o pleno desabrochar de sua beleza. Entre educação
e adestramento há, portanto, uma diferença substancial: uma serve apenas ao
condicionamento de organismos animais dotados de um círculo funcional restrito
ao binômio estímulo/resposta, enquanto a outra liga-se estruturalmente a um
tipo de ser que não vive num universo puramente físico, cujo círculo funcional
não foi apenas quantitativamente alargado, mas sofreu também uma mudança
qualitativa. No ser humano, o desenvolvimento ganha uma significação e alcance
de que carecem o resto dos seres vivos, pois somente nele é possível a
efetivação de um processo auto-formativo em que se verifica a possibilidade de
um crescimento consciente rumo a determinações qualitativamente superiores: a
educação como realização de uma liberdade própria do ser automediado.
Por
outro lado, no adestramento há sempre uma vontade que tenta submeter outra
vontade e a força a curvar-se ante suas próprias exigências. Há aqui o
exercício de um condicionamento que exige do indivíduo adequação total às
regras e critérios exteriores à sua natureza. Mediante o adestramento, este é
levado a transformar-se, artificialmente, naquilo que ele não é - e, na medida
em que nada pode tornar-se aquilo que não é - o resultado é sempre uma
deformação desastrosa que nada tem a ver com a verdadeira educação. Na
realidade, tal procedimento revela uma total falta de compromisso para com o
conhecimento da realidade efetiva daquele a quem se educa, pressuposto da
educação correta. Lembremos aqui uma passagem significativa de Platão em que o
filosofo grego nos alerta para a necessidade de um pleno conhecimento de nossa
própria natureza para que, assim, possamos nos transformar em total
conformidade com ela: "Jamais poderemos saber qual é a arte de tornar
melhores a nós mesmos (vale dizer: a educação), se ignorarmos o que nós mesmos
somos." Em outra passagem do mesmo diálogo Platão nos fornece o sentido da
ligação entre autoconhecimento e o cuidado de si próprios à educação, quando
sustenta: "Se nos conhecermos, saberemos talvez também qual é o cuidado
que devemos ter com nós mesmos; se não nos conhecermos, jamais o
saberemos."
Ora,
um projeto educacional que não parte de uma avaliação correta da realidade
ontológica do homem só pode trazer como resultado para o mesmo a impotência, a
frustração, a dor e a infelicidade. Exatamente tudo aquilo que a educação não
poderia jamais querer produzir, uma vez que, desta forma, ela entraria em
contradição com os fins que ela mesma se determina. E a diferença entre
educação e adestramento está justamente ligada à diferença entre liberdade
humana e natureza animal.
Por
outro lado, a educação verdadeira, ao contrário do adestramento, deve fazer
curvar os métodos às necessidades interiores do homem; aquilo que a sua própria
natureza possui em estado de potência, fazendo com que ela se realize em ato.
Tornar-se aquilo que se é, conforme reza a sentença de Píndaro, mas não sem
antes saber exatamente aquilo que se é. Neste sentido, a educação não deve
forçar o indivíduo a acomodar-se no leito de Procusto das metodologias
previamente estipuladas, mas, antes, avaliar o seu campo de possibilidades autênticas
a fim de que, mediante a elaboração de procedimentos metodológicos adequados,
possibilite a realização mais plena de suas virtualidades. A potência e o ato,
a possibilidade e a efetividade são categorias com as quais deve
necessariamente trabalhar a educação correta. Só assim poderíamos trazer ao
indivíduo que se educa a oportunidade de crescer em capacidade, em poder, em
realização e em felicidade, procedendo, como queria Spinoza, a desvalorização
de todas as paixões tristes em proveito da alegria, transformando a nossa atual
"potência de padecer" em "potência de agir".
Sendo
assim, o educador deve-se preocupar em não exercer um ofício tirânico sobre o
educando, forçando-o a acomodar-se aos seus próprios valores, mas, antes,
aprender do indivíduo aquilo que ele é para só então ajudá-lo a desenvolver-se
em conformidade com sua própria essência. Neste sentido, o verdadeiro educador
é aquele capaz de oferecer ao indivíduo meios adequados para que ele possa
realizar o projeto que o especifica. Ou seja, aquele que é capaz de adequar as
formalidades do método à realidade do objeto.
A
educação é um fato essencialmente humano e como tal deve ser pensada, ou seja,
ela deve partir do homem como pressuposto. Como devemos aprender de
Aristóteles, o que importa, em primeira instância, ao educador, é orientar-se de acordo com o
fim, entendido, no entanto, como determinação interior à própria natureza da coisa.
Deste modo, é preciso que, antes de mais nada, defina-se o homem que se quer educar, ou seja, que se procure identificar aquilo que é especifico à vida humana sendo, portanto, o que se deve desenvolver no homem como consequência natural do exercício da atividade que o especifica. É preciso, antes de tudo, saber articular os meios com relação aos fins próprios a cada ser.
Em outras palavras, deve-se pensar a educação como o meio pelo qual é colocada a possibilidade do pleno desenvolvimento das potencialidades humanas e, como tal, é preciso que ela comporte dois momentos fundamentais: em primeiro lugar, a identificação daquilo que caracteriza a forma humana, portanto o que no homem é preciso desenvolver de maneira mais plena; em segundo lugar, a reflexão sobre os meios pelos quais conseguir de maneira adequada tal desenvolvimento. Neste sentido, o problema educacional veicula-se estreitamente à questão ética que propõe aos homens meios para atingir a felicidade. Mas, uma vez que não há felicidade sem realização, não há ética sem educação. O problema é dos mais importantes e dele depende como se vê, a consecução para o homem das mais elevadas finalidades, condizentes com as suas mais altas aspirações.
Deste modo, é preciso que, antes de mais nada, defina-se o homem que se quer educar, ou seja, que se procure identificar aquilo que é especifico à vida humana sendo, portanto, o que se deve desenvolver no homem como consequência natural do exercício da atividade que o especifica. É preciso, antes de tudo, saber articular os meios com relação aos fins próprios a cada ser.
Em outras palavras, deve-se pensar a educação como o meio pelo qual é colocada a possibilidade do pleno desenvolvimento das potencialidades humanas e, como tal, é preciso que ela comporte dois momentos fundamentais: em primeiro lugar, a identificação daquilo que caracteriza a forma humana, portanto o que no homem é preciso desenvolver de maneira mais plena; em segundo lugar, a reflexão sobre os meios pelos quais conseguir de maneira adequada tal desenvolvimento. Neste sentido, o problema educacional veicula-se estreitamente à questão ética que propõe aos homens meios para atingir a felicidade. Mas, uma vez que não há felicidade sem realização, não há ética sem educação. O problema é dos mais importantes e dele depende como se vê, a consecução para o homem das mais elevadas finalidades, condizentes com as suas mais altas aspirações.