quinta-feira, 3 de abril de 2014

Teseu e Ariadne
                                   
                           “Oh, Ariadne, tu mesma és o labirinto,
                                                                     de ti jamais se consegue sair”.
                                                                                                     Nietzsche

Sob uma sombra em Cnossos
Curva-se um corpo, cai ao solo
Súbita, a treva e o barulho dos ossos
Mas Ariadne enrosca um novelo.

Trava, trama do tempo, tomba
Sobre a poeira do chão a sombra
Que um fio acende  e conduz
Vivo  herói ao encontro da luz.

Livre Teseu na ilha de Creta
Olhar como o mar, infinito;
Que finda no ar e do azul inventa

O outro fio que atrela o muito
Se amar ao amor faminto:
Infinitamente atado ao labirinto.


Arabesco

Allegro BWV 998

As dobras divinas no arremate do arabesco
que mistério oculta o intervalo,
os saltos e o continuum em repouso:
voz que se bifurca em veredas-descaminhos
da harmonia cujo campo de possíveis
indefine o acordo entre o belo e o sublime:
sabre que se abate sobre forma e a desafia, mesmo sendo o sentido
dado pelas formulações protocolares de uma linguagem fria,
fraseada pelas progressões e fantasias oscilantes como o fumo
que se enovela nos ares e se espirala e foge e cai como um pesadelo através da doce
caligrafia bachiana.

Não, nenhuma voz que interrompa o silêncio
apenas a mesma cadência modulada pelas variações
dos campos em que se arquiteta o tempo
como dobrar-se acima do sentido
da inteligência que naufraga em sua própria circunstância
e foge e fale e faz fecunda por uma vez a ligação entre os planos:
mesmo que não seja essa a intenção mesmo
que não se pretenda
mesmo que não se atrele o discurso dos sons aos seus motivos;
ainda assim Deus fala através daquilo que é
demasiadamente humano.