Digamos que você queira
conhecer o mundo. Por onde você deveria começar?
Você poderia procurar por uma verdade que pudesse ser
a explicação de tudo. Tal verdade pode ser chamada Salvação, ou Iluminação, ou
Nirvana. Assim, você deveria engajar-se numa experiência mística para conseguir
realizar seu objetivo. Este é o caminho seguido pela religião e a resposta que
ela dá advém de um mergulho existencial no absoluto, uma revelação imediata e
vivida do sentido universal que abarca
todas as coisas e torna o mundo e nossas vidas significativos para nós.
Você poderia, por outro lado, interessar-se por uma
série de verdades particulares concernentes a uma série de coisas distintas, na
esperança de que todas elas pudessem ser, de alguma forma, reunidas e, deste
modo, produzir um quadro coerente da vida. Este é o caminho da ciência.
Melhor ainda, você poderia procurar por uma resposta
mais real e humana, alguma coisa que se situasse entre esses dois extremos
artificiais. Você pode usar o seu senso comum, ou sua razão, ou a lógica - como
a ciência faz - mas pode também focalizar sua atenção e seu pensamento nas
grandes questões - como a religião faz. Esta é a filosofia.
Não se pode duvidar nem
por um minuto que os filósofos fazem mais perguntas que eles podem responder.
Mas é bom que seja assim. Isto mostra que a filosofia é alguma coisa viva, que
acompanha as transformações do mundo e das nossas vidas e tenta ajustar-se a
elas, elaborando questões e procurando respostas que realmente nos tocam e têm
importância para nós. Ela cresce e se transforma junto com o mundo sobre o qual
ela medita e no qual ela se insere, tentando transformá-lo num lugar mais
ajustado às reais necessidades e potencialidades dos homens. Por isso, a
filosofia não é, nem nunca foi, um conjunto de doutrinas mortas, sem nada a ver
com os problemas atuais do mundo real.
De certa forma, seria
enganador tentar descrever a filosofia como se ela fosse um subproduto da
religião e das ciências. É exatamente o contrário. A religião não teria nada a
dizer se ela não fosse capaz de usar partes seletas da lógica filosófica e do
sentido de suas indagações a fim de tornar mais razoáveis as suas próprias
doutrinas. Da mesma forma, não poderia haver nenhuma ciência sem as teorias
filosóficas e seus objetivos, com os quais contam os cientistas no intuito de
encontrarem padrões de invariância dentro do infinito fluxo dos fenômenos
brutos. Não nos esqueçamos do que disse um importante cientista ganhador do
prêmio Nobel: “De qualquer forma, há e permanecerá na ciência um elemento
platônico que não poderíamos afastar sem arruiná-la. Na diversidade infinita dos fenômenos singulares, a ciência só pode
procurar os invariantes.” [ Monod, Jacques, O acaso e a necessidade ]
Você pode ser humano sem experimentar o êxtase
contemplativo, e você continuaria sendo humano se não chegasse a ser um
cientista, mas certamente você não poderia ser humano sem experimentar o
conflito entre a fé e os fatos, entre os sonhos e os limites do real; sem ser
capaz de projetar, além da linha do horizonte, o último sentido das
inconquistadas lonjuras. Por que existe uma diferença tão grande entre o que a
gente pensa que deveria acontecer, ou o que acreditamos poder acontecer, e o
que efetivamente acontece?
Nós não sabemos. Mas talvez pudéssemos aprender alguma coisa pensando a
respeito. E é confortante descobrir que a filosofia nos leva a fazer exatamente
isto, sem forçar-nos a adotar qualquer doutrina restrita. Se não podemos supor
que qualquer experiência mística ou qualquer ciência possa explicar a
totalidade da vida (a religião pode experimentá-la sem explicá-la, a ciência
não pode nem experimentá-la nem tampouco explicá-la) podemos ao menos pensar
nela.