quinta-feira, 29 de agosto de 2013

SOBRE A FILOSOFIA 1



Digamos que você queira conhecer o mundo. Por onde você deveria começar?
Você poderia procurar por uma verdade que pudesse ser a explicação de tudo. Tal verdade pode ser chamada Salvação, ou Iluminação, ou Nirvana. Assim, você deveria engajar-se numa experiência mística para conseguir realizar seu objetivo. Este é o caminho seguido pela religião e a resposta que ela dá advém de um mergulho existencial no absoluto, uma revelação imediata e vivida do sentido universal que abarca  todas as coisas e torna o mundo e nossas vidas significativos para nós.
Você poderia, por outro lado, interessar-se por uma série de verdades particulares concernentes a uma série de coisas distintas, na esperança de que todas elas pudessem ser, de alguma forma, reunidas e, deste modo, produzir um quadro coerente da vida. Este é o caminho da ciência.
Melhor ainda, você poderia procurar por uma resposta mais real e humana, alguma coisa que se situasse entre esses dois extremos artificiais. Você pode usar o seu senso comum, ou sua razão, ou a lógica - como a ciência faz - mas pode também focalizar sua atenção e seu pensamento nas grandes questões - como a religião faz. Esta é a filosofia.
Não se pode duvidar nem por um minuto que os filósofos fazem mais perguntas que eles podem responder. Mas é bom que seja assim. Isto mostra que a filosofia é alguma coisa viva, que acompanha as transformações do mundo e das nossas vidas e tenta ajustar-se a elas, elaborando questões e procurando respostas que realmente nos tocam e têm importância para nós. Ela cresce e se transforma junto com o mundo sobre o qual ela medita e no qual ela se insere, tentando transformá-lo num lugar mais ajustado às reais necessidades e potencialidades dos homens. Por isso, a filosofia não é, nem nunca foi, um conjunto de doutrinas mortas, sem nada a ver com os problemas atuais do mundo real.
De certa forma, seria enganador tentar descrever a filosofia como se ela fosse um subproduto da religião e das ciências. É exatamente o contrário. A religião não teria nada a dizer se ela não fosse capaz de usar partes seletas da lógica filosófica e do sentido de suas indagações a fim de tornar mais razoáveis as suas próprias doutrinas. Da mesma forma, não poderia haver nenhuma ciência sem as teorias filosóficas e seus objetivos, com os quais contam os cientistas no intuito de encontrarem padrões de invariância dentro do infinito fluxo dos fenômenos brutos. Não nos esqueçamos do que disse um importante cientista ganhador do prêmio Nobel: “De qualquer forma, há e permanecerá na ciência um elemento platônico que não poderíamos afastar sem arruiná-la. Na diversidade infinita dos fenômenos singulares, a ciência só pode procurar os invariantes.” [ Monod, Jacques, O acaso e a necessidade ]
Você pode ser humano sem experimentar o êxtase contemplativo, e você continuaria sendo humano se não chegasse a ser um cientista, mas certamente você não poderia ser humano sem experimentar o conflito entre a fé e os fatos, entre os sonhos e os limites do real; sem ser capaz de projetar, além da linha do horizonte, o último sentido das inconquistadas lonjuras. Por que existe uma diferença tão grande entre o que a gente pensa que deveria acontecer, ou o que acreditamos poder acontecer, e o que efetivamente acontece?
Nós não sabemos. Mas talvez pudéssemos aprender alguma coisa pensando a respeito. E é confortante descobrir que a filosofia nos leva a fazer exatamente isto, sem forçar-nos a adotar qualquer doutrina restrita. Se não podemos supor que qualquer experiência mística ou qualquer ciência possa explicar a totalidade da vida (a religião pode experimentá-la sem explicá-la, a ciência não pode nem experimentá-la nem tampouco explicá-la) podemos ao menos pensar nela.